Moda masculina: Alfaiataria artesanal no Centro de Fortaleza

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A moda é tão visceral e viva quanto a nossa própria existência. E mutável, assim como nós. Há quem a encare como parte da história, como os historiadores e figurinistas; há quem veja como um grande mercado, aí estão as grandes grifes para provar isso; há quem ache que é o futuro, um dom, vejamos os alunos entusiasmado dos cursos de design; há quem chame de arte, ela figura até em museus; e há o Seu Airton, que nem de moda chama e a trata como um ofício apaixonado.

seu airton alfaiate fortaleza

Airton Menezes tem 83 anos e todos os dias pela manhã se levanta animado para ir ao ateliê Osmundo Souza, no clássico Edifício Lobrás, número 1071 na Barão do Rio Branco, Centro de Fortaleza. Ele é um dos últimos alfaiates artesanais do estado do Ceará e é lá onde confecciona paletós, calças, bermudas e camisas em alfaiataria.

alfaiataria tradicional fortaleza

No segundo andar do prédio, um corredor comprido e cheio de portas e janelas é iluminado pelo sol, os azulejos antiquíssimos levam até a porta azul, onde um manequim vestido com traje de gala nos recebe.

alfaiataria tradicional fortaleza 2

Seu Airton, sentado à máquina de costura, uma Singer antiga, está vestido impecavelmente: calça cinza, camisa com listras brancas e azuis fechadas no punho e sapatos sociais. Os olhos por trás da armação quadrada, fixos no alinhavado não se incomodam com barulho lá embaixo. Ele nasceu surdo e se tornou um grande observador.

Ao me ver, ele levanta e sorri e logo percebo que estou na frente de um cavalheiro, como raro se encontra por aí. Com a ajuda de sua filha, Ana, o saúdo. Apresentações feitas, pergunto se na infância ele imaginava que se tornaria alfaiate, e ele diz que sim.

airton alfaiate

Seu Airton cresceu no interior no Ceará, filho de fazendeiros. Aprendeu a ler e a escrever, mesmo que não pudesse ouvir ou falar. Transformou sua fraqueza em força e treinou sua vista e perspicácia para serem as melhores. O pai queria que ele fosse datilógrafo, mas ele rejeitou. Ainda não seria aquela a sua máquina de destino, ele queria fazer roupas.

Viajou para Brasília em busca de melhores oportunidades e bastou observar uma única vez as dobraduras do feitio de um paletó para que pudesse reproduzi-las. Lá trabalhou na alfaiataria São José. Destacou-se, e de volta a Fortaleza, foi convidado para trabalhar com os melhores, o italiano Domenico e Francisco Girão Rabelo, de quem foi amigo.

carteira de trabalho

Com um ótimo senso de humor, ele relembra as festas e confraternizações entre os alfaiates, sempre comemoradas em 6 de setembro, dia desse profissional.

Casado e pai de uma filha, seu Airton é notoriamente feliz, e isso se reflete em sua disposição. Quando teve a possibilidade de trabalhar em casa, não aceitou, diz que gosta de ir todos os dias para o ateliê, que já teve Virgílio Távora como cliente!

alfaiataria artesanal

Hoje a clientela é composta por estudantes de direito, juízes, senhores aposentados e pessoas que compram blazers e paletós em fast fashions e levam para fazer ajustes.

O “paletozeiro” segura uma peça que ficou esperando em cima da Singer e mostra como deve ser um paletó perfeito. A escolha dos tecidos e o forro deve ser feita com muita atenção. Um bom terno de corte clássico deve resistir a gerações. O corte deve ser preciso e, a cada dobra, deve ser passado a ferro.

paleto perfeito

Ao contrário do que muita gente pensa, o paletó não deve prejudicar os movimentos. Os botões podem variar em um, dois, três ou quatro, com um ou dois cortes dianteiros. Deve haver a prova para os ajustes finais.

A confecção de um paletó completo gira em torno de duas semanas. Ficou impossível para esses artistas das tesouras competir com as grandes indústrias e com a pressa que se instalou em nossa sociedade. Queremos tudo para ontem e, às vezes, a qualidade não figura como aspecto mais importante.

airton osmundo alfaiate centro fortaleza

Uma ponta de decepção transparece nos gestos-palavras do senhor à minha frente e pergunto: “Há alguma coisa que o senhor gostaria que fosse diferente?”. A filha Ana traduz e me responde: “Não, ele não gostaria que nada que fosse diferente, ele se sente muito feliz”. Depois completa: “Mas ele disse que não gosta muito de usar roupas de lojas, só se ganhar de presente, aí não pode fazer desfeita”.

Ele olha minha camisa e compara com a dele. A minha deve ter custado três vezes o preço que eles cobram no ateliê, mas nem de longe tem a mesma qualidade.

diploma de alfaiate

Durante a conversa, dona Ivonete, dona do ateliê, me diz que aumentou o salário do seu Airton recentemente e, assim como a filha, as duas netas e a bisneta, consegue se comunicar com ele facilmente. Confesso que eu também quase consegui ler os gestos daquele senhor, que sussurrou para mim que a gente é para o nasce.

Quando pergunto o que ele diria para os rapazes de hoje, Ana traduziu: “Que teimem!”.

Não resisti e tirei minhas medidas.

alfaiate artesanal fortaleza

Para fazer roupas sob medida em alfaiataria ou para conhecer o seu Airton:
Rua Barão do Rio Branco 1071, 2º Andar, sala 229, Ed. Lobrás, Centro.
Fone: 3249 3816

Qualquer dúvida ou sugestão: diegojgregorio@gmail.com
No instagram eu sou @diegojgregorio

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Diego Gregório
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3 comentários

  1. A resistência deste homem Cearense é de uma tamanha persistência e determinação.Amor ao ofício,detalhes no que faz,busca da perfeição.Orgulho de ser sua filha pois além de ser o melhor alfaiate de Fortaleza,é um homem íntegro,não tem vícios,vive para a família e para o trabalho.

  2. Grande abraço Sr Airton, quem me dera ter um mestre da sua competência.fiz um curso de modelagem e tento trabalhar na arte com cobertos de roupas em geral.gostaria de conhece lo . Que Deus te abençoe caro amigo? Chamo me tony Barreto de Freitas , moro na rua Jaime Benévolo 946 telefone 3226.2923 ou 996205184 . Um grande abraço !

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