Diabetes gestacional: o que é, quando descobri, como estou lidando

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São mais de 100 dias com injeções diárias de insulina

Há pouco mais de 100 dias, saí da minha primeira consulta com a endocrinologista chocada, assustada, com mil dúvidas na cabeça. Fui direto pra farmácia, comprei a tal caneta de insulina e uma caixa com 100 agulhas, cheguei em casa tomei banho e chorei.

Chorei muito, com medo, com sensação de impotência, com o sentimento de que não seria capaz, com a ideia de que isso seria pra sempre.

Há mais de 100 dias eu trato a diabetes mellitus gestacional (DMG), também chamada só de diabetes gestacional. Mesmo com todo o privilégio (remédios e itens comprados em farmácia, sem a burocracia do SUS), ainda não me acostumei com a rotina. Mas aprendi a ouvir e a respeitar ainda mais o meu corpo.

Na semana passada, ao completar os 100 dias de insulina, mais uma mudança: ao invés de uma dose diária do hormônio, chegou a hora de acrescentar outra dose antes do jantar. Ter diabetes gestacional é um desafio diário que eu e milhares de gestantes enfrentamos e que, quanto mais pesquiso sobre o assunto, percebo o quanto é necessário falar e debater. 

Senta, relaxa, que a leitura é longa, mas espero ajudar e tirar muitas dúvidas!

Como eu descobri a diabetes gestacional?

Meu diagnóstico da diabetes gestacional foi dado bem antes do período convencional, analisado entre a 24ª e a 28ª semana. Isso porque logo no início da gestação (com aproximadamente 9 semanas) a minha obstetra pediu exames de sangue detalhados e a minha glicemia já deu alterada. Logo em seguida fui à nutricionista e à endocrinologista para fechar o diagnóstico e já iniciar o tratamento, por volta das 12 semanas.

Segundo a minha endocrinologista, a Dra. Cristina Façanha, a ideia de tratar no início era para que, quando o “bicho pegasse” no período em que geralmente a doença é diagnosticada, eu já estar em tratamento, o impacto não ser tão grande e os riscos para mim e para a Elisa não serem maiores.

Desde então, a minha rotina mudou totalmente, incluindo as já faladas injeções de insulina, uma dieta restrita e a constante prática de atividades físicas.

Praticar atividade física é bom para o controle da diabetes e também faz um bem danado pra cabeça!

Por que a mulher desenvolve a diabetes gestacional?

Quando a gente engravida, automaticamente nosso organismo passa a produzir mais açúcar para alimentar o bebê, além dos nossos hormônios ficarem loucos. Dentre essas alterações, está o aumento da produção do hormônio insulina, que transforma o açúcar em energia pra gente. Porém, não é em toda gestação que essa produção aumenta, e, assim, o açúcar fica lá, no nosso sangue, ocasionando a tão falada hiperglicemia. 

Os índices elevados de glicemia significam que o meu organismo não está produzindo a quantidade suficiente de insulina para combater esse açúcar. Por não liberar a quantidade suficiente de hormônio, o pâncreas (glândula produtora da insulina) precisa de uma forcinha: as injeções. Isso acontece porque os hormônios produzidos pela placenta podem atrapalhar o trabalho do coitado do pâncreas. 

Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, o distúrbio ocorre entre 3 e 25% das gestações. Esses índices variam de acordo com o grupo étnico, a população e o critério de diagnóstico utilizado.

O que são injeções e como é a rotina de quem tem diabetes gestacional?

Nesses mais de três meses, ironicamente o que eu pensei que mais me incomodaria, é hoje um alívio: as injeções de insulina. Isso porque é o único momento do meu dia que eu tenho absoluta certeza de que estou fazendo um bem pra mim e pra Elisa. Nas outras horas que eu estou acordada, eu não consigo relaxar 100%. Durante as refeições, regro a quantidade de carboidratos e, quando não estou comendo, fico imaginando qual vai ser a próxima refeição.

Três vezes ao dia eu meço a minha glicemia. Em jejum, não pode passar de 92 mg/dL. Após as refeições, o limite é 140 mg/dL.

Todos os dias a rotina é a mesma. Ando sempre com o kit que tem os aparelhos para eu medir o índice glicêmico: uma agulha, as tirinhas em que eu coloco a gotinha de sangue e o aparelhinho que mede, em segundos, a taxa de açúcar daquele momento. Essas medidas são feitas três vezes ao dia, começando com o jejum e, nesses últimos dias, uma hora após o café da manhã e uma hora depois do almoço ou do jantar. É sagrado, é pontual, tenho um timer já pré-programado no celular e quem convive comigo já se acostumou. Eu ainda sinto o coração parar nos segundos em que fico aguardando o resultado. Em jejum, o valor da glicemia não pode ser igual ou superior a 92 mg/dL. Uma hora após qualquer refeição, deve ser menor que 140 mg/dL. 

Por um lado, a gente aprende a vibrar com cada número bom. Sabe aquela coisa de ficar feliz com “pequenas vitórias”? Pois é! Por outro, cada resultado “no limite” é uma sensação de “poderia ter comido menos tal coisa” ou de “por que eu inventei de comer isso?!”.

Os poucos (amém) resultados alterados funcionam como uma avalanche, anulando a alegria de todos índices bons. E volta aquela sensação inicial de irresponsabilidade, de incompetência, de “nadar e morrer na praia”. E a tendência é essa alteração aumentar com o passar das semanas, já que a placenta vai ficando cada vez maior e dificultando ainda mais o trabalho de outros órgãos e do pâncreas.

Por que mais uma dose de insulina?

Agora, na 27ª semana, dei início à aplicação de mais uma dose de insulina. Os níveis pós-jantar estavam altos, sem ultrapassar o esperado, mas no limite. Desde o começo da rotina de segundas doses, o que era 126, 130, passou a ser 100, 110. 

Quais são os riscos da diabetes gestacional para a gestante e para a criança?

Para as mulheres:

  • Maior chance de aborto;
  • Aumento do risco de pré-eclâmpsia (elevação súbita da pressão);
  • Rompimento da bolsa antes da data, ocasionando o parto prematuro;
  • Possibilidade de parto cesária ou laceração do períneo no parto normal, por conta do tamanho do neném;
  • Diabetes no futuro.

Após a gestação, segundo a minha endocrinologista, 7 em cada 10 mulheres que tiveram diabetes gestacional podem se tornar diabéticas (tipo 2, aquela que a gente adquire ao longo da vida). E se engana quem acha que o diagnóstico vem logo após o nascimento da criança. Em até cinco anos após o parto, os índices podem normalizar e, em seguida, voltar a sofrer alterações. 

Então, o que essas três mães que “escapam” do diagnóstico fazem? Aquilo que todo médico fala pra gente, durante toda a vida: se alimentam corretamente e, praticam atividades físicas.

Canetas de insulina, agulhas e caixinhas com as tirinhas para medir o índice glicêmico.

Os bebês também podem ser prejudicados caso a diabetes da mãe não seja controlada. Isso acontece porque TUDO que a gente come também é passado para a criança. Se a insulina que a gestante produz não for suficiente para manter os níveis de glicose no corpo dos dois em ordem, o pâncreas do bebê se sobrecarrega e ele também não consegue produzir hormônio suficiente para transformar a glicose em energia. Assim, seu desenvolvimento não é adequado e a criança ganha ainda mais peso do que deveria, já que o açúcar é transformado em gordura. O neném fica macrossômico (pesando 4kg ou mais), o que pode dificultar o parto. 

O bebê ainda pode nascer prematuramente e, quando nasce, existe a chance dele ter hipoglicemia (queda dos níveis de açúcar), já que, durante a gestação, ele estava acostumado com as taxas elevadas de açúcar que recebia da mãe. Com a queda brusca de glicose, as complicações podem ser grandes e graves. 

Como é a alimentação?

Vocês lembram da dieta low carb, que por um período foi moda? Pois é basicamente o que rola por aqui: evito ao máximo carboidratos e açúcar e tento ingerir bastante proteína, grãos, verduras, legumes, oleaginosas, sementes…

Mas tem um detalhe: algumas frutas não são legais pelo excesso de açúcar e, na gravidez, não é recomendado o consumo de folhas, legumes e verduras crus fora de casa, porque é impossível saber como eles foram higienizados. E, por isso, vem o próximo tópico.

Por que você emagreceu tanto na gravidez?

Eu acho que o meu emagrecimento é o comentário que eu mais ouço (pra variar, sempre a questão do peso, que não nos deixa nem quando a gente tá passando por tudo que passa enquanto gera uma vida). Tem dias que me incomoda, tem dias que entra por um ouvido e sai pelo outro. Mas vamos à explicação com um toque de autorreflexão:

Como é a sua alimentação no dia a dia? A minha estava longe de ser saudável. Sempre fui viciada em doces, estava ingerindo muita bebida alcoólica e todas as refeições eram ricas em carboidratos, principalmente nos últimos meses antes de engravidar.

Logo após a descoberta da gravidez veio o diagnóstico da diabetes, o que me obrigou a mudar drasticamente a minha alimentação.

Você já fez uma reeducação alimentar de verdade, 100% regrada? É isso que acontece. Mantive a prática de atividade física e diminuí drasticamente a ingestão de doces, álcool (obviamente) e carboidratos. Aí acontece o que é natural: emagreci, mesmo grávida. Não tinha como não perder peso, mesmo com todas as mudanças físicas que uma gravidez proporciona. Engravidei com 66kg e hoje estou pesando 62kg. 

Em paralelo, acompanho de pertinho todo o desenvolvimento da Elisa. Há exatamente um mês fiz o segundo morfológico e ela estava “dentro dos conformes”. Hoje está com aproximadamente 1kg. 

A barriga tá pequena, eu praticamente não ganhei peso mas eu e a Elisa estamos bem. É isso que importa!

Como eu posso ajudar minha esposa, amiga, parente que tá passando por isso?

Acima de tudo, respeitando. Respeitando as escolhas dela naquele momento na mesa de um bar e de um restaurante. Não julgue, não comente, não demonstre pena. A gente se sente uma bosta quando é olhada com cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança. Diabetes gestacional é algo comum, mas é pouco comentada, debatida e divulgada, assim como tudo “negativo” relacionado à gravidez e à maternidade. 

Não insista. Não diga: “ahhh, mas só um pedacinho não vai fazer mal”. A não ser que você seja a médica dela e esteja acompanhando-a 24h por dia. Com o tempo a gente aprende os nossos limites e entende a hora que dá para “extrapolar”. 

Gostaram do texto? Conhece alguém que esteja passando ou passando pela diabetes gestacional? Conta pra gente!

Confira os outros textos sobre gravidez:

A abelhinha da maternidade e o medo da infertilidade

Eu, o teste de gravidez e o coletor menstrual

Larissa Viegas

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