Feminismo e maternidade, feminismo na maternidade, na paternidade, na parentalidade. Mais importante do que falar sobre a nossa própria desconstrução – esse exercício diário e muito difícil de entender que ser do gênero feminino não deveria nos limitar de nenhuma forma – é falar sobre como podemos contribuir para uma próxima geração mais igualitária.
Do tempo das nossas avós para hoje, já houve muita evolução. Mas não, ainda não está bom. Ainda precisamos de mais liberdade, de mais espaço, de mais oportunidade. O feminismo está em pauta, o mundo está falando sobre desigualdade de remuneração, de assédio moral e sexual e precisa falar também sobre a maneira como estamos conversando com nossas crianças. Como mãe, tenho responsabilidade de criar minha filha para ser uma pessoa justa, íntegra e com todos os valores que acredito ser importantes.
Mas o principal ensinamento deve ser: seja o que você quiser ser, e eu vou estar ao seu lado nessa caminhada.
Esta semana conheci o projeto Donas da Rua, criado pela Mauricio de Sousa Produções em parceria com a ONU Mulheres (a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres). Desde o ano passado, a MSP vem usando suas personagens femininas para apresentar grandes mulheres para as crianças, principalmente para as meninas.
Na minha infância, a Mônica era um exemplo pra mim. Baixinha, gorducha e dentuça (como eu mesma me via), ela reinava no Bairro do Limoeiro, era superforte e conseguia se fazer ouvir – com um pouco de violência, é verdade, mas uma personagem poderosa e inspiradora assim era coisa rara.
Hoje a gente sabe o quanto representatividade importa, como empodera, como fortalece a autoestima. Se a Mônica pode, eu também posso! E quanto mais histórias de grandes mulheres forem contadas, mais as nossas pequenas vão saber que elas podem, sim, ser o que quiserem.
Ler “Para Educar Crianças Feministas” logo depois de “Sejamos Todos Feministas” me deu uma vontade profunda de sair por aí presenteando todo mundo com as palavras de Chimamanda. Ela, que se descobriu feminista depois de ser “xingada” de feminista pelo melhor amigo, é uma das grandes vozes da atualidade sobre o assunto – e fala tão bem, de maneira tão clara e didática que fica impossível não se identificar, não querer fazer parte.
Criar uma criança feminista é dar as mesmas oportunidades para meninos e meninas. Meninas precisam brincar com blocos de montar tanto quanto meninos precisam brincar de casinha. Sabe quando a gente ouve (e às vezes até diz) que sempre sonhou em ser mãe, que sempre sonhou com o casamento? Pois é, não acontece do mesmo jeito com os homens.
Mas isso nada tem a ver com diferenças biológicas, tem a ver com construção social, com sexismo, com preconceito de gênero. E aí qual é o resultado de uma geração de mulheres que vê o casamento como objetivo de vida com uma geração de homens que nunca foi ensinada a pensar sobre isso? Que, na verdade, foi ensinada a não ter compromisso, não demonstrar sentimento, não chorar? O resultado é isso aí que a gente vê: mulheres presas em relacionamentos abusivos, se anulando, abrindo mão de tudo e até de si mesmas.
A gente precisa ensinar pras nossas meninas que elas têm valor igual, que elas não são piores nem melhores que os meninos. E tudo começa na infância, nos brinquedos que a gente oferece, nas regras de comportamento que estabelecemos. As meninas não têm de ser quietas, elas podem ser exploradoras também. Elas não precisam brincar só com bonecas, que são ótimas pra desenvolver a criatividade, a inteligência emocional, mas podem também brincar de ser maquinistas conduzindo um trem.
Em “Para Educar Crianças Feministas”, Chimamanda escreve uma carta para uma amiga que pede conselhos para criar sua filha recém-nascida como feminista. O livro-carta traz 15 sugestões de como podemos tentar, falando desde a relação da mãe consigo mesma, da mãe com o pai (a gente não pode falar que o pai “ajuda”, porque o pai é tão responsável quanto a mãe; as tarefas de casa precisam ser divididas; a criança precisa ser cercada de exemplos de adultos que desconstruam essas caixinhas de gênero, como ter um tio que cozinha bem etc.) e é um guia pra ler e reler em cada fase da vida dos filhos, porque vai desde bebezinho até a idade adulta.
“Se não empregarmos a camisa de força do gênero nas crianças pequenas, daremos a elas espaço para alcançar todo o seu potencial”
Entenda que gênero nessa conversa aqui que a gente está tendo nada tem a ver com sexualidade. Meninas precisam ter autonomia, precisam saber consertar suas coisas quando elas quebram. Elas precisam ter opinião e não ter medo de compartilhar o que pensam, precisam se sentir capazes de realizar qualquer atividade. E não precisam ser doces e educadas o tempo todo.
Em “Sejamos Todos Feministas”, a autora fala que é frequentemente apontada como uma mulher raivosa, que ela não deveria sentir raiva. A raiva normalmente é associada a homens. Mas como não sentir raiva quando a gente é mulher, quer fazer algo e não pode? Não sabe? Não consegue? Tudo porque existem regras vindas da toda-poderosa sociedade sobre o que devemos ou não devemos fazer?
A menina Chimamanda queria ser monitora de classe na escola, se esforçou pra ter as melhores notas, mas não pode assumir o posto porque era menina. Um menino ficou com o cargo, e ele nem queria tanto. Como mães, não podemos deixar essa história se repetir. Porque, até hoje, quanto mais alto é o cargo em uma empresa, menos mulheres estão presentes. E enquanto houver homens achando que somos menos capazes porque menstruamos, temos filhos e TPM, vamos continuar longe desses altos cargos.
Por fim (porque este texto já está imenso, mas poderia ficar ainda muito, muito maior), quero dizer que não há motivo para ter medo do feminismo, nem para achar que ele não é necessário. Ser feminista não é ter raiva de homens, ser feia nem lésbica (mas pode ser também). O que o feminismo busca é um mundo mais justo, com mulheres – e homens – mais felizes e verdadeiros consigo. E tudo começa com as nossas crianças.
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