A coluna de hoje elenca 10 mulheres que me inspiram na cozinha. Duas delas pelas primeiras inspirações e total responsabilidade de eu cair na gastronomia e oito chefs da cena gastronômica local que me fascinam por seus temperos, cuidados e carinho com a gastronomia.
Primeiramente, não podia deixar de relembrar meus primeiros aromas, sabores e passos na cozinha. Minha mãe, Vilma, cozinheira de mão cheia, aprendeu a cozinhar com a mãe dela, minha avó Cida. Apesar de estar presente fisicamente na minha vida apenas por 6 anos, temos uma ligação muito forte. Eu ainda lembro do cheiro e do gosto da comida dela, a presença da energia dela ainda é muito marcante em mim e tenho certeza que, de onde quer que ela esteja, ela guia minhas mãos na hora de adicionar temperos e criar receitas.
Minha mãe, por sua vez, nunca tolheu minha proximidade com a cozinha, pelo contrário, incentivou! Me colocava para marcar biscoitos de nata, bater claras e mexer massas de bolo. Tenho lembranças de muito pequeno, ali às voltas do fogão, perturbar tanto até que ela colocava uma cadeira na beira para que eu pudesse mexer uma panela ou me colocar em dias quentes dentro do tanque de roupas com uma panela suja, esponja e detergente pra eu “lavar louça”. Nessa eu me refrescava, fazia a maior bagunça, deixava de perturbar e ainda achava que estava ajudando. Hoje somos parceiros na cozinha, amo cozinhar junto com ela, apesar de ser raro, mas trocamos receitas, dicas de cozinha e figurinhas culinárias, ainda aprendo muito!
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No cenário gastronômico local, elegi 8 cozinheiras inspiradoras por suas histórias de vida, características culinárias, influências, criações, estilos e marcas próprias no modo de fazer gastronomia. Eu as dividi em 4 categorias e ressaltarei duas delas em cada, contudo, muito provavelmente, estarei sendo injusto com demais outras mulheres da gastronomia que me inspiram, pois são muitas. As categorias são:
- Raízes internacionais no Ceará
- Cozinha clássica com regionalidade cearense
- Banqueteiras de mão cheia
- Cozinha com carinho de mãe
Então vamos às chefs e o que me inspira em cada uma.
Raízes internacionais no Ceará
Marie Anne Bauer
Com mais de 35 anos comandando fogões e o sotaque franco-alemão mais sonoro de uma cozinha, Marie foi a primeira chef-executiva do Brasil. Trabalhou em grandes hotéis, comandou cozinhas de grandes restaurantes e hoje tem seu cantinho em frente ao Mercado dos Pinhões, o aconchegante Le Marché. O que me mais encanta na cozinha dela é a capacidade de reproduzir uma cozinha fiel às suas raízes alsacianas, mesmo com a restrição de ingredientes que ainda temos aqui. Marie prepara um escargot delicado e delicioso, um polvo confit que não há igual, um ovo pochê perfeito, dentre molhos, caças é um profiterole sem igual.
Berta Lopes
Há quase 20 anos à frente do Marquês que agora reside na Varjota, o sotaque português e o sorriso largo sempre a nos receber marcam a cena gastronômica local com a melhor cozinha portuguesa, na minha opinião. A manutenção do aconchego e simplicidade da decoração de sua casa preserva as tradições vivas em cada detalhe. A fidelidade às receitas, a manutenção da base familiar na estrutura do restaurante, o cuidado na escolha dos ingredientes marca um pedaço de Portugal no seio de Fortaleza.
Dona do pão português mais original e um dos melhores que já comi, a cozinha de Berta me encanta por seu bacalhau entre rios, sempre o meu predileto do cardápio dentre tantas outras opções deliciosas.
Cozinha clássica com regionalidade cearense
Louise Benevides
Uma das responsáveis pela minha vinda ao Ceará, mãe da Júlia (que está uma moça), Lu tem uma cozinha cheia de técnica por conta de sua formação, mas sempre busca trazer toques de regionalidade em seus pratos e criações. Em 2012, Louise passou a comandar sua própria cozinha na casinha mais charmosa de Fortaleza, o Casa de Moá. Até o ano passado, praticou uma cozinha cheia de brasilidades como a saudosa feijoadinha e um dos melhores carneiros que já comi, impecavelmente preparado. Quem quer matar a saudade do tempero de Louise, como consultora, ela assinou o cardápio do Moleskine deixando traços de sua cozinha para matar o desejo daqueles que a admiram.
Bia Leitão
Hoje à frente do cardápio do Delivery Menu – que muitas vezes salva o meu almoço –, Bia (que às vezes ataca de DJ no Mambembe) traz para o cardápio (assim como nas suas playlists) toques bem regionais. Os meus preferidos deste cardápio são o peixe à delícia, o creme de carne de sol com baião, e o vatapá de frango que tem uma característica bem cearense e mantém a fidelidade do sabor dos pratinhos feitos com muito carinho pelas cozinheiras de bairro que se espalham pelas calçadas de Fortaleza. Bia voltou de São Paulo em 2009 e desde então como consultora ficou à frente de alguns cardápios como do Given, Amélie, Kukukaya Café e, o seu próprio, Tangerina.
Banqueteiras de mão cheia
Toca Couto
Pra mim é a melhor comida de buffet da cidade, indico de olhos fechados e sem medo de errar. Toca, por quem tenho um carinho e admiração imensos, iniciou sua carreira entre as panelas para atender amigos, e a brincadeira ficou séria mediante o cuidado que ela tem em cada detalhe. À frente de uma empresa que extravasou os encontros intimistas do início, Toca continua se preocupando com cada detalhe em grandes eventos que acontecem hoje no espaço Coco Bambu por Toca! Acho incrível quando, antes da abertura do buffet, ela sai para conferir cada detalhe da mesa e autorizar o início do serviço, preocupada sempre com qualidade e requinte oferecidos. O que eu não deixo de comer é o queijo brie com massa filo e geleia e os surreais chocolates.
Marana Figlioulo
Essa querida, com que já tive o prazer de compartilhar conhecimentos em sala de aula, foi uma das poucas pessoas capazes de me emocionar com comida. Durante uma determinada atividade proposta, me surpreendeu em um resgate de receita de gnocchi com a tradição antiga (sem batatas) do qual jamais esquecerei e me fez lembrar de minha avó e cair em prantos diante da sala. Marana tem mais de 40 anos entre as panelas e prepara com carinho encontros intimistas e familiares das sociedade tradicional cearense. Sua principal marca é a preocupação com os sabores e combinações que vai proporcionar aos convivas sem perder de vista os utensílios, louça, serviço e decoração impecável.
Cozinha com carinho de mãe
Mattu Macedo
Outra querida com quem tive o prazer imenso de compartilhar conhecimentos em sala de aula. Hoje professora do curso de gastronomia da UFC, Mattu fundou em Fortaleza uma das primeiras escolas de culinária. Filha de uma família humilde de 7 irmãos, começou a cozinhar muito cedo para ajudar a complementar a renda da família. Uma de suas histórias compartilhadas que mais me marcou foi quando contou que ainda criança assava massa de bolo em latas de sardinha. Com aquela simpatia contagiante, fecha em bom cearês: “Marróia, eu já fazia cupcake naquela época!”. E quando conheceu physalis na França, que decepção, “isso lá no meu interior fazia lama, e a gente chamava de camapum.”
Nilza Mendonça
Uma da mães que ganhei no Ceará, grande parceira de pesquisas e invenções. A gente tricota muito, sempre nos falamos para trocar figurinhas. Como Yin e Yang, eu complemento a técnica, e ela me traz os conhecimentos de raiz que me faltam. Tia Nilza, como carinhosamente todos a chamam, tem na sua cozinha a simplicidade da cozinha cearense resgatando sabores esquecidos como relatado em seu livro Em Busca dos Sabores Perdidos, que hoje é referência para estudos em várias universidades pelo Brasil. Sempre humilde e com sede de saber, está sempre criando versões inusitadas com coisas da terra. Meus pratos preferidos dela são o gnocchi de milho e o pé de moleque de munguba.
Certamente muitas outras mulheres aqui não citadas me inspiram gastronomicamente, e em nome dessas queridas, aqui sintam se representadas.
Beijos, um incrível mês das mulheres e até o nosso próximo encontro com a gastronomia temperada com algumas especiarias.
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