Desconstruindo o cabelo curto

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Desde 2015 tenho uma foto salva no meu celular, da Maria Flor – que já contei ser uma de minhas inspirações de estilo – com os cabelos curtinhos. Sou apaixonada por esse corte e essa imagem, e desde essa época tenho vontade de cortar meu cabelo igual, mas só consegui esse ano.

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O cara! @neandroferreira

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– Ué, Júlia, mas o que tem de tão difícil em cortar o cabelo?

– Senta que lá vem história.

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Começando do começo: Minha mãe quase sempre teve o cabelo curtinho – pelo menos desde que eu me lembro -, algumas poucas épocas esteve com ele maior, mas ela gosta mesmo é curto. Não estou falando de chanel, é aquele que quando nos apegávamos a padrões estéticos de gênero antigamente a gente chamava de “Joãozinho” mesmo.

Primeiro cabelinho curto a gente não esquece
Primeiro cabelinho curto a gente não esquece

Um dia, quando eu tinha 11 anos, decidi que queria cortar o cabelo igual ao da minha mãe, e foi só falar que ela me levou direto para o salão. Lembro de gostar muito, me sentir muito bem – e bastante inovadora pra época – com o cabelinho curto. Porém nem tudo são flores e assim que começou a crescer, já foi cacheando – até ali ele sempre tinha sido liso e por isso muito mais fácil de lidar, mas o corte aconteceu bem naquele momento da puberdade, em que os hormônios começam a fazer grandes mudanças no nosso corpo.

Cabelo crescendo cacheado
Cabelo crescendo cacheado

Não vou mentir, demorei pelo menos dois anos até aceitar completamente meu cabelo cacheado, precisei entrar no teatro e interpretar o papel de Titânia, Rainha das Fadas em “Sonho de uma noite de verão” (muito ambicioso para um teatro de escola com crianças de 12 a 14 anos né hehe), para finalmente abraçar meus cachos com amor. Mas essa é outra história.

Voltando ao cabelo curto: depois de um pouco traumatizada de ter cortado a primeira vez e ele ter mudado totalmente, tinha um medo absurdo de cortar e ele crescer liso, mas essa era a parte mais fácil de lidar. O que me incomodava mais era o medo de como ficaria minha aparência de cabelo curto.

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A minha vida inteira sofri pressão estética, principalmente da minha família. Como sempre gostei muito de comer, passei a vida ouvindo “minha filha, coma menos”, “Júlia, já vai comer de novo?”, “Não quero que você fique igual ao seu pai” (meu pai sempre foi gordo e tem pressão alta), entre outras coisas que me fizeram acreditar que eu era gorda – e a gente sabe que ser gorda não era visto como bonito nem saudável.

Hoje entendo que ninguém fazia isso por mal, mas porque acreditavam estar fazendo o melhor pra mim, porém precisamos prestar atenção para não repetir os mesmos comportamentos.

Sei que não sou gorda, porque não tenho dificuldades de encontrar roupa, andar de avião, passar na catraca de um ônibus, e várias outras coisas que pessoas gordas sofrem por viver em um mundo que não é adaptado a elas. Mas sou fora do padrão e, mesmo quando estive muito dentro dele, acreditava que não estava e me sentia mal por isso.

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Então meu cabelo sempre foi uma “arma” para esconder o rosto arredondado, deixá-lo mais fino, e por isso eu pensava que nunca poderia cortar muito o cabelo, para não mostrar meu rosto todo. Até o momento que me dei conta de que meu rosto é lindo do jeito que ele é, não tenho motivos para tentar esconder a verdade dele. Obviamente percorri um longo caminho até chegar a essa conclusão e me amar do jeito que sou, desconstruir tudo o que passaram a vida me fazendo acreditar.

Se amar é muito bom, mas é como diz uma frase que vi uma vez: “o equilíbrio não é estável, é fluido”, e assim é o amor-próprio, de vez em quando ele está mais fraquinho, outras vezes mais forte. O que precisamos é entender a importância dele em nossas vidas e saber como fazer para fortalecê-lo nos momentos que precisa.

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Passei por muitas coisas para me amar como me amo hoje e aceitar meu rosto e meu corpo como são, mas não significa que eu não duvide disso em alguns momentos. Mesmo no dia em que decidi cortar o cabelo, quando estava sentada na cadeira do salão e a cabeleireira já havia começado a cortar, duvidei da minha decisão, cheguei a pensar “isso não vai dar certo, vai ficar feio”, mas me perguntaram se eu já havia cortado o cabelo curto antes e foi ao contar toda essa história que lembrei: Eu estava ali por mim, ia dar certo sim e se eu não gostasse do corte por algum motivo, era a hora de desapegar e lembrar que cabelo cresce! hehe

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Foi assim que eu desconstruí o cabelo curto em mim. E você, o que falta para acabar com coisas que construiu por muitos anos e só te fazem mal? O que falta para desconstruir o que não te acrescenta em nada?

 

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