Sierra Burgess não é nada loser – e muito mais interessante que Lara Jean

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Todas as histórias possíveis já foram contadas, principalmente se forem uma história adolescente. O que muda é como elas são contadas. Sierra Burgess é uma loser se apoia na estrutura clássica/clichê do filme de escola americana: menina que sofre bullying se apaixona pelo atacante do time de futebol, que é apaixonado pela líder de torcida. No final, o casal “improvável” supera as diferenças, e o amor vence.

Só que, logo de cara, a produção da Netflix já tem um diferencial. Sierra, a protagonista, é gorda. E gordas no cinema raramente são protagonistas, raramente namoram, raramente se apaixonam. A menina gorda é sempre a amiga de todo mundo, que ouve os problemas e dá conselhos, mas nunca fica com ninguém, porque só a magra loirinha merece a coroa de rainha do baile, só ela é desejada.

Sierra Burgess (a Barb, de Stranger Things, meu girl crush) veio pra dizer que essas histórias todas sobre garotas gordas estão erradas. A mulher gorda é exatamente igual à mulher magra em seus desejos, anseios, paixões, ranços. Somos apenas mulheres. Nos apaixonamos, cometemos erros, podemos ser completamente escrotas e também podemos corresponder ao clichê da amigona-engraçada-inteligente – mas não necessariamente, porque cada mulher é um universo único e particular para além do peso.

No filme, Sierra é filha de um escritor famoso, cresceu entre livros, conhece citações dos mais diversos autores e se arrisca em textos variados. Sabe que é maravilhosa, diz isso pro espelho logo na primeira cena do filme, enrolada numa toalha, e voluntariamente é tutora de colegas que passam maus bocados na escola. Ela tem um melhor amigo, Dan, e uma inimiga à altura de Regina George, Veronica, que não perde uma oportunidade de fazer bullying e pregar peças na protagonista.

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Em uma dessas peças, Veronica dá o telefone de Sierra pra um cara bonitinho de outro colégio, Jamey (interpretado pelo fofinho de Para todos os garotos que já amei, também lançado pela Netflix). Ele começa a mandar mensagens de texto pra Sierra, que sabe que não são pra ela, mas sabe como é, ser adolescente é uma merda, ser adolescente gorda é mais merda ainda. Ela ganhou um pouco de atenção e não via mal em conversar com o cara.

Só que, claro, eles começam a se apaixonar. Das mensagens de texto eles vão pro telefone, até que ele a convida pra um cinema. A história a partir daí começa a ficar complicada, Sierra se embanana cada vez mais na mentira que inventou e, em um momento, acaba sendo tão bitch quanto um dia já foram com ela.

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Sierra Burgess é um filme sobre amor adolescente, mas também sobre amizade entre garotas, a construção da autoestima e do amor próprio e como é normal a gente se questionar vez ou outra, querer saber quem somos e o que queremos ser.

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Eu poderia fazer uma série de textos respondendo todas as críticas negativas que Sierra vem recebendo. Disseram que “é só mais um filme em que um cara fica com uma menina ‘apesar de ela ser gorda'”. E aí eu só consigo dizer que quem disse isso muito provavelmente não sabe como é ser uma adolescente gorda.

Nos anos 2000, quando ainda não existia essa onda feminista, de amor próprio, as digital influencers gordas e a moda plus size, era simplesmente muito foda estar fora de todos os padrões, não se encaixar em nenhum grupo e não ter seus crushes correspondidos.

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O Diário de Bridget Jones chegou na minha vida justamente como uma história de “amo você exatamente como você é”, o “apesar de” que tanto estão questionando. Como adolescente, eu nem ia pras festas que minhas amigas iam com medo de ser rejeitada. Eu dizia que não merecia, que gorda era pra estar em casa. Eu vestia tamanho 42, 44 e me achava completamente gigante e errada.

Nunca tive coragem de me colocar pra jogo e saber se alguém se interessaria por mim só pelo meu físico. E se aconteceu algumas poucas vezes de eu ser paquerada, minha autoestima baixa não me deixava continuar na festa, eu simplesmente sabia que era hora de ir embora. Todos os garotos com quem me relacionei eu conheci pela internet ou me tornei mais próxima pela internet. Eu não tinha o visual, mas eu tinha todo o resto. “Apesar de gorda”, era legal, divertida, interessante, charmosa.

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Mesmo se houvesse um cara na minha escola que visse beleza em mim, ele sofreria bullying dos amigos, seria zoado. A ideia de que o cara sempre pode “conseguir algo melhor” era o que existia. E essa é a história que existe na filmografia adolescente. E é por isso que Sierra Burgers é uma loser é tão importante.

Que bom que em 2018 outras histórias possam ser contadas. Que bom que muitos caras estão entendendo que julgar uma mulher pela aparência é machista e que bom que muitos estejam se abrindo para outras belezas além das que povoam a timeline do Instagram.

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Eu, mulher gorda praticamente a vida inteira, tive alguns namorados e até conquistei uns corações sem querer. Casei (e meu marido escolheu ficar comigo em vez de uma mulher magra, olha só) e tenho uma filha incrível. E me dá muito orgulho ver que finalmente o mundo está mudando, está sendo mais gentil com quem é diferente e, qualquer que seja o tamanho do corpo dela no futuro, vai estar tudo bem.

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Todas as críticas que li foram escritas ou por homens ou por mulheres magras (tá, uma foi de uma gorda, mas ela gostou mais de Lara Jean do que de Sierra, então a gente discorda). Todas comparavam Sierra a Lara Jean, protagonista de Para todos os garotos que já amei. E todas gostaram mais da protagonista magra do que da gorda. Apesar de toda a desconstrução, ainda é mais fácil achar bonita e simpática a menina que está dentro do padrão.

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Particularmente, achei muito mais fraco o filme da Lara Jean do que o da Sierra, já que o da Sierra mostra uma personagem com muito mais nuances e o relacionamento dela com os pais, os amigos, a escola e consigo mesma, enquanto que Lara Jean passa o filme inteiro sendo boazinha e romântica e sempre em busca de um amor, sem desagradar ninguém à sua volta.

Ah! Também vi muitas críticas à Sierra por ter mentido pro Jamey, fingido ser outra pessoa etc. (o que, ok, não é legal), mas parece que tá tudo bem a Lara Jean ser levada a manter um namoro fake só pro bonitinho fazer ciúme pra ex-namorada cheerleader – lembrando que várias vezes ela tentou acabar com o joguinho, e ele não deixou. Mesmo ele sendo esse tipo de cara, todas as mulheres estão apaixonadas pelo personagem. Mas a Sierra não pode errar! Façam-me o favor.

Alinne Rodrigues

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